domingo, 17 de fevereiro de 2013

Manhãs de nevoeiro


 Hoje, quando acordei, senti o meu corpo como um ser estranho. Senti que flutuava sobre alguém desconhecido, qualquer outra pessoa, menos eu.
Lá fora chovia. Caim lençóis de água sobre a rua, e uma neblina tapava a vista daqueles que tentavam ver mais além.
Hoje, senti-me perdida naquela tempestade e sem forças para me afastar do seu gelo cortante. A noite penetrou no dia como uma intrusa e ninguém foi capaz de a levar para longe.
Sabes, ainda ontem algo me dava certezas de que os dias de chuva haviam passado de vez; que o sol me abraçaria daqui em diante. Pensei que podia descobrir os ombros e pisar o chão com os pés nus. Ontem, senti que o teu calor me envolveria o corpo, aquecendo-me a alma.
Mas hoje, quando despertei do sono, o frio do Inverno vendou-me os olhos e arrepiou-me a pele. E agora tenho medo. Tenho medo de voltar a despir esta roupa quente. Receio não ter forças para voltar a vesti-la se este inverno voltar a esconder a quentura que trouxeste.
Prometes? Encosta os teus lábios ao meu ouvido e sussurra-me que as gotas de chuva lá fora não voltarão a ser lágrimas nos meus olhos. Só então, só com a certeza de que nem sempre as manhãs serão cinzentas, poderei destapar a pele sem medo.
Por enquanto ficarei aqui, a ver os que lá fora de aventuram a caminhar mesmo com a tempestade a desenhar-se em seu redor.

 https://www.youtube.com/watch?v=McEEiZU8t4Y

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Recomeçar



Hoje vou recomeçar. Vou pegar em todas as pontas do que ficou solto e uni-las num laço apertado. Vou procurar perceber o que correu mal. Juro que irei tentar encontrar as razões. Que nada ficará por desvendar.
Hoje vou arrumar as gavetas do pensamento e soprar o pó dos sonhos que ficaram adormecidos. Vou escrever aquela carta que as mãos sempre desejaram redigir. Vou gritar bem alto a palavra que alguém – talvez eu mesma – me proibiu dizer. Sim, hoje irei sair à rua e procurar-me, onde quer que esteja.
Vens comigo? Há sempre espaço ao meu lado para ti, se quiseres ajudar. O caminho será longo, não te minto. Há demasiadas perguntas que me pedem ainda resposta. São tantas as linhas que me pedem para ser escritas.
É difícil voltar atrás para seguir em frente. Mas é isso que faz deste um recomeço. E é impossível construir o caminho do futuro sem acordar esse passado que ficou adormecido num pesadelo.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Reticências

O fim.
Como é que sabemos que chegámos ao fim? Qual é o momento certo para terminar algo; para encostar a caneta à folha de papel e desenhar um ponto final?
Um ponto. Já pensaste bem? Como é que um simples ponto pode significar tanto. Como é que algo tão pequeno pode fechar um ciclo que perdurou por muito tempo?
E se me enganar? Se desenhar um ponto no lugar de uma virgula. Estarei a ditar irremediavelmente o fim da história. Sem que te tenhas preparado sequer. Sem que mo tenhas pedido. Chega a ser cruel este meu poder de acabar o que alguém iniciou, não achas? Mas não te preocupes, prometo esperar pelo momento certo. Preciso apenas que me ajudes a encontrá-lo, a esse fim que não sei onde começa.
O que é suposto acontecer para que a história não continue? Não, esta não será a primeira vez que um final nasce nas minhas mãos. Outros houve escritos no meu pensamento, mas nunca antes os tatuei no papel. Talvez seja medo, sim. Receio aprisionar as personagens num fim que não é o delas. Temo desenhar um ponto onde qualquer outro deixaria uma interrogação, ou, pelo menos, o suficiente para algo continuar.
Por isso, desta vez, a única em que tive coragem de pensar no final, decidi não o escrever. Não que seja cedo de mais. Prefiro apenas escrevê-lo de outro modo, para que alguém o encontre e dele possa recomeçar...