sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Voltei a tentar


Voltei a tentar
Voltei a abrir os olhos cansados
Estiquei o braço adormecido
E segui os teus passos apagados

Mais uma vez tentei sozinha
Olhei os teus olhos fechados aos meus
As palavras feriram o toque das mãos
Os argumentos que eram teus

Tentei sozinha porque sonho
Tentei que soubesses escutar o coração
Mas tu esqueceste o som da minha voz
Tu já não sabes tocar a minha mão

Tudo o que era belo no meu ver
Tornaste escuridão sem estrelas
Tudo o que construímos sem saber
Está agora abandonado pelas ruelas

Mas eu voltei a tentar
Tentei que fossem os meus sonhos a falhar
Tentei que fossem os pés a fugir do caminho
Prometi que essa voz sempre me iria tocar

E tocou e feriu novamente
Deixou pedras soltas na estrada
Levou tudo o que restava na mente

Dizes que não
Mas eu tentei, tentei uma última vez
Mas tu fizeste desta a derradeira
Olha o que isto nos fez

Agora já nem vejo o brilho
O teu olhar parece apagado
Procuro o que de ti resta
Mas está tudo tão abandonado…


Talvez tenha tentado de mais
E o esforço nos fizesse sufocar
Se calhar perdi o rumo ao tanto procurar

Mas é isso que é tentar
Procurar a última flor no frio do Inverno
Procurar o lugar, a hora
A altura em que o amargo levou o terno

E eu tentei
Quis descobri-la para o apagar
Mas só agora percebi que o não posso
E sim, a verdade é essa
- Cansei-me de tanto tentar…

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A consciência do olhar

Era tarde. Fim do dia., talvez. O sol punha-se, ao fundo, no horizonte banhado pelo Tejo. As horas, o dia são dados sem importância, quer na altura, quer de momento.
Vagueava pela rua. Os passos cruzavam a calçada suja. Envolta em pensamentos que julgava serem os mais delicados e recheados de um valor que tocaria muitas das pessoas que me rodeavam, quase tropecei nos pés de velho homem sentado sobre o chão da cidade.
Olhei-o.
Olhei-o de uma forma como nunca antes fitara um desconhecido. Depois afastei-me, dando dois ou três passos atrás.
Tarde de mais. O velho homem de barba grisalha e roupas rasgadas havia notado a minha presença e era impossível virar-lhe as costas.
Ele olhou-me. Não posso jurar, mas creio que sim, aquela foi a primeira vez que olhei profundamente nos olhos de um mendigo de rua. Ele parecia indiferente à minha presença, apesar do pedido de ajuda que deixou desenhar-se no azul empoeirado do seu olhar.
Não me estendeu a mão. Mas, num gesto que me daria muito mais riqueza que aquela que lhe poderia doar, sorriu-me. As suas carregadas rugas de expressão em torno da boca seca toldaram-lhe o rosto num frágil – mas aparentemente sincero – sorriso meigo.
Depois baixou o rosto e, deixando cair a boina em farrapos que escondia o emaranhado do seu cabelo quase branco, voltou à inércia. À rotina do passar das horas.
Naquele fim de tarde senti-me mergulhar com o último rasto de sol nas águas doces do rio. Agarrei nas poucas moedas que trazia no bolso, troco de uma compra da qual já não me recordava, e deixei-as cair sobre a lata quase vazia que o velho homem tinha nas mãos. O tilintar do dinheiro despertou-o do seu ilusório dormir e voltou a olhar-me.
“Obrigado”, era o que o cristalino dos seus olhos me sussurrava agora. Mas não era o pouco dinheiro que ele agradecia. Era o sorriso leve que lhe revelei.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Origens

Origens.
Procuro esta palavra no dicionário. Não anseio pelo que vou encontrar, nem muito menos espero descobrir algo que já não antes soubesse. No fundo, esta é somente mais uma palavra das muitas que ouvimos toda uma vida, sem que deixemos uns segundos para nela reflectir.
Finalmente encontro-a e, tal como adivinhava, nada no seu significado me faz compreendê-la melhor. Causas, Procedências, Fontes e umas quantas outras palavras que, tal como a primeira, nos mergulham num mar de significados sem, no entanto, qualquer sentido aparente.
Afinal por que razão existem estas palavras? Todas elas, os milhares de junções de letras perdidas nessas folhas, algumas com idades ancestrais, outras recentemente acrescentadas ao nosso vocabulário. Algumas são certamente quase inúteis ou simplesmente ausentes de conteúdo; mas há outras. Existem palavras que, por mais tentativas em descobrir-lhes o sentido, nunca se nos mostrarão totalmente se não quando desvendadas de outra forma, com a alma; há palavras que nenhum dicionário consegue aclarar, que nenhuma caligrafia poderá reproduzir perfeitamente; palavras que, porém, são tudo o que temos, o que fomos e seremos. E foi isso que acabei por descobrir ao fechar o dicionário ingenuamente aberto; descobri que há coisas que os livros não explicam, que só o mundo e a vida podem decifrar.
Origens.
Pensando bem, que estranha palavra, essa, que nos acompanha toda uma vida; que nos rodeia o horizonte e preenche o coração. Uma palavra que foi o nosso início e se atreve a desenhar-nos o futuro; uma mera palavra que, apesar de fazer de nós quem somos, é muitas vezes posta de parte como um mal a esquecer, um passado a deixar lá atrás. Felizmente há alturas em que ela se cansa de estar encerrada nesse baú e salta cá para fora, diante ao olhar. Mesmo quando menos o quisermos, alguma vez ela virá à nossa procura. Tal como o dia que nasce escuro e se põe em crepúsculo novamente, algum dia, também nós somos obrigados a voltar a esse princípio, ao nosso berço.
Origens.
Somos nós próprios; nós e o único lugar capaz de nos fazer sorrir verdadeiramente; o único capaz de brotar as lágrimas mais genuínas. Aquele sítio, onde o nada que somos se une com o tudo que o Mundo é.
Também eu conheço um lugar assim.
E esse não mora longe, nem muito menos se encontra encerrado num livro qualquer. Por mais distante que estivesse de mim seria sempre possível chegar-lhe com as pontas dos dedos, com a ponta do coração. Lá, sei que nunca estarei perdida. Naquele recanto do meu mundo sempre encontrarei a chave dos sorrisos.