
Sei que não me viste. Ias demasiado ocupado em não desviar-te da recta imaginária que os teus olhos traçavam. Mas eu sim. Eu vi-te como se descobrisse uma outra alma no corpo que há tanto conhecia. Tinhas o mesmo andar compassado; aquele ligeiro agitar de ombros; aquele jeito de te pores quase em bicos de pé enquanto descolavas o calcanhar do chão.
Nisso tudo eras tu. Mas o teu rosto parecia envolto numa máscara. Parecias caminhar despido, sem o teu mistério. Porque é que te esqueceste de como levantar o rosto?
Fiquei a ver-te durante largos momentos. O tempo suficiente para ter a certeza de que eras tu, mas não o bastante para perceber o teu coração. Até que a inclinação do caminho te escondeu.
Sei que pensas que não terias força para sequer voltar o rosto, mesmo que te tocasse as costas. Mas tem-la. Trazes em ti uma força que não sonhas existir. Guarda-la confiante de que nunca terás de a procurar. Mas repara: caminhas há horas, independente de toda a vida que te contorna. Não sentes força para erguer o pescoço, mas és forte o suficiente para suportar essa dor causada pela fuga.
E eu sei que esse caminhar te deixa exausto. Sei que essa solidão te faz brilhar os olhos quanto te encontras sozinho e perdido. Não ignores os que te olham. Não jures que a vida te moldou os traços. Por mais que procures encontrar-te por essa estrada desconhecida, lembra-te de que só te sentirás seguro quando a tua pele tocar algo familiar.
Sim, às vezes, para seguir em frente também é preciso olhar para trás...