"Era bom saber se existe amizade realmente? Não me refiro
àquele prazer ocasional que faz com que duas pessoas fiquem contentes porque se
encontraram, porque num determinado período das suas vidas pensavam da mesma
maneira sobre certas questões, porque os seus gostos são semelhantes e os seus
passatempos iguais. Nada disso é amizade. Às vezes chego a pensar que essa é a
relação mais forte na vida…talvez por isso seja tão rara. E o que há no seu
fundo? Simpatia? É uma palavra imprópria, sem sentido, o seu conteúdo não pode
ser suficientemente forte para que duas pessoas intervenham em defesa um do
outro nas situações mais críticas da vida…apenas por simpatia?
As simpatias que vi nascer entre pessoas diante dos meus
olhos, acabaram sempre por se afogar nos pântanos do egoísmo e da vaidade. Os
interesses comuns por vezes criam situações humanas que são semelhantes à
amizade. E as pessoas também fogem da solidão, entrando em todo o tipo de
intimidades de que, a maior parte das vezes, se arrependem, mas durante algum
tempo podem estar convencidas de que essa intimidade é uma espécie de amizade. Uma
pessoa imagina (…) que a amizade é um serviço. O amigo, assim como o namorado,
não espera recompensa pelos seus sentimentos. Não quer contrapartidas, não
considera a pessoa que escolheu para ser seu amigo como uma criatura irreal,
conhece os seus defeitos e assim o aceita, com todas as suas consequências. E
se o amigo falha, porque não é um verdadeiro amigo, podemos acusá-lo, culpando
o seu carácter, a sua fraqueza? Quanto vale aquela amizade, em que só amamos o
outro pela sua virtude, fidelidade e perseverança? (…) Não seria nosso dever
aceitar o amigo infiel da mesma maneira que o amigo abnegado e fiel?"
de As Velas Ardem até ao Fim, Sándor Márai