domingo, 29 de abril de 2012

Entre as manhãs que sofremos


"Entre as manhãs que sofremos, entre as esperas de tudo o que não nos quis, havia uma esperança pequena. Não sabíamos que a chuva é um olhar desesperado. Não sabíamos que o frio. Entre as manhãs que sofremos, uma lágrima. E uma lágrima é morrer tão completamente. Éramos as crianças e a água. éramos as árvores. As folhas das árvores, uma aragem, os pássaros a voarem na nossa respiração. Éramos as manhãs e nós a sofrê-las, éramos uma pequena esperança. Não sabíamos que não se pode acreditar, nem sofrer, nem ser criança e água. Havia uma esperança pequena. Procurámos tudo o que não nos quis. Esperámos. Entre as manhãs que sofremos. Entre a chuva, o frio, as árvores, os pássaros. Éramos a terra triste. Éramos uma aragem. Não sabíamos que uma lágrima. Não sabíamos que a imensidão da morte é maior que uma esperança pequena."
José Luís Peixto, A Criança em Ruínas

sábado, 14 de abril de 2012

Titanic

Existem pessoas que não esquecemos. Momentos que guardamos eternamente. Histórias que permanecem intemporais. A que vos vou contar é uma dessas. Um pedaço do passado que se perdeu no tempo. Uma quase lenda que teima em ressurgir e fazer-se lembrar.
O seu nome é Titanic.
Sei que nem todos os que lerem estas palavras sentirão o mesmo que eu ao escrevê-las. É impossível traduzir nelas o misto de entusiasmo e melancolia que, para mim, o calendário hoje assinala. Sim, hoje mesmo, há 100 anos atrás terminava em tragédia uma das histórias mais promissoras de um final feliz.

Foi no dia 14 de Abril de 1912 que o Titanic chocou contra um iceberg, condenando pessoas, bens e um imenso oceano de sonhos. Sonhos dos que esperavam uma nova vida na América. Sonhos dos que viam concretizado o maior projeto de uma vida. Sonhos dos que viajavam a bordo do maior e mais belo navio construído até à época.
E hoje mesmo, passado um século sobre aquela noite, o Titanic continua a ser símbolo disso mesmo: o sonho.
Construído em Belfast a cargo de Thomas Andrews, o RMS Titanic foi batizado com um nome digno de um “palácio flutuante”. Gémeo do RMS Olympic e do RMS Britanic, era o navio mais luxuoso e moderno a cruzar o oceano no início do século XX. 
Na viagem inaugural estavam a bordo algumas das pessoas mais ricas, e também as mais pobres. Em comum, no entanto, tinham algo: ambos viam naquela travessia o marco de uma vida. A partir daquela viagem nada voltaria a ser como dantes.
O naufrágio do Titanic marcou o fim de uma época, infelizmente a custo de uma enorme perda. Naquele oceano gelado morreram mais de 1500 pessoas. A salvo ficaram dezenas de crianças órfãs. Famílias destroçadas. Mas nem tudo foi negativo. Na memória fica a lembrança de um navio que trazia esperança. A mesma esperança que restou aos quantos sobreviveram. E tal como disse poucos anos antes de morrer uma dessas sobreviventes. O Titanic era um navio lindíssimo. E é assim que ele deve ser recordado.

domingo, 1 de abril de 2012

As palavras

As palavras perderam o sentido.
As letras que desenhavam as frases deixaram de contar histórias. Por agora, apenas me surgem como símbolos sem significado. As palavras, essas, perderam a sua moral. Nada mais me confidenciam. Não prometem, como dantes, ajudar-me a falar.
Chegam a ser egoístas, estas palavras que se esgotam de conteúdo em certos momentos. Precisamente naqueles em que desejava tê-las para me exprimir. Para deslindar aquilo que o coração não sabe dizer de outra forma.
Aqui estou. Sentada há horas. À espera que a ponta da caneta se levante da mesa e caminhe sobre o papel. Espero-a como aquele mendigo que todos os dias se senta nas escadas do metro. Cego. Sem poder imaginar quem traz na mão a moeda que lhe dará de comer.
Por agora sou como ele. Procuro as palavras que se perderam. E sem elas não sei falar.