segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

It's so easy to please...



Era quase noite. Mas o sol ainda pautava a paisagem talvez querendo aquecer as suas peles que gelavam já cientes da solidão do dia seguinte.
Olhavam, abraçados, a cidade à sua frente. Olhavam-na pela última vez. Olhavam-na como se fosse a primeira. Os dedos dela entrelaçavam-se nos da mão enrugada dele e desse toque provinha o único calor daquele anoitecer de Inverno. Dos lábios dele soavam, de vez a vez, palavras que se perdiam no barulho da cidade mas que antes vagueavam pelos ouvidos dela e se acostavam ao seu coração que sentia parar. No resto do tempo era o silêncio das vozes que permanecia, um silêncio de que ambos precisavam e que sempre pautara as suas vidas.
Os cabelos dela eram lisos e esvoaçavam nas suas costas com o vento gélido da invernia. Nenhum deles se mexia, nenhum deles parecia capaz de tocar aquele momento de partilha que sabiam marcaria as suas memórias.
A cidade vivia intensamente. Os carros feriam-nos com luzes indiscretas, as pessoas passavam com olhares perscrutadores, com passos ansiosos. Era estranho olhar aquela cidade naquele anoitecer. Era estranho saber que amanhã não se teriam um ao outro para a enfrentar.
Sentindo adivinhar o seu medo, ele abraçou-a mais forte contra si, arrepiando-lhe a pele. O corpo dela tremia de um frio que ele sabia nunca poderia afastar. Mesmo assim permanecia a seu lado, agarrando a sua mão, dando-lhe a protecção que o mundo lhe roubara.
Sabiam que a hora se aproximava. Naquela noite, naquela que seria a última oportunidade de se olharem e à cidade, de tocarem dentro um do outro, o toque foi subtil e o silêncio tatuou nos seus corpos um laço que nenhum Inverno poderia rasgar.
Naquela que sabiam ser a última noite, enquanto tudo em seu redor prometia ficar igual, usaram o último minuto para inspirar profundamente o frio do ar nocturno. Encostados no peito um do outro perdoaram a distância que ali começava, esperaram o pedido para ficar que nenhum tinha coragem de fazer

sábado, 12 de dezembro de 2009

Balançar




Pedes-me um sonho
para juntar os pedaços
mas nem tudo o que parte
se volta a colar
e agarras a minha mao
com a tua mao e prendes-me
e dizes-me para te salvar
de quê?
de viver o perigo
de quê?
de rasgar o peito
com o quê?
de morrer
mas de que paixão?
de que?
se o que mata mais é não ver
o que a noite esconde
e nao ter nem sentir
o vento ardente
a soprar o coração.

domingo, 6 de dezembro de 2009

A solidão dos números primos





Existem vidas ausentes de passado…E existem passados que tornam a vida ausente de Presente.

Alice e Mattia sobrevivem assim, fechados num momento insubstituível das suas infâncias, presos a um trauma que a idade não consegue superar.
O segredo que as suas palavras não sabem revelar acompanhá-los-á em todo o seu crescimento, refugiando-os em duas personalidades tristes que, apesar de distintas, quase se tocam no que diz respeito à forma como se desenham – a solidão.
Alice sofre com o medo da rejeição pelos colegas, a dificuldade de aceitação num mundo que se quer perfeito e ao qual sente não pertencer. Fruto disso será a bulimia que a acompanhará toda a vida, a ponto de assombrar o seu casamento.
Mattia vive acordado num pesadelo real, culpado do desaparecimento da sua irmã. Nas suas mãos, preenchidas pelos sucessivos cortes que lhe aliviam a dor psicológica, recaem os olhos ameaçadores dos quantos o olham com reprovação.
Vivem anónimos, fechado em si mesmos, como dois números primos perdidos numa sequência que os não deixa sobressair. Olham-se mutuamente, partilham os seus medos em silêncio – o suficiente para se compreenderem; o insuficiente para se tocarem em conforto.

Irão partilhar sonhos, idealizar um futuro sem remorsos, mas vão descobrir que há uma coisa que os sonhos não podem fazer – apagar o passado.