segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ir



Apetece-me apanhar um comboio sem destino. Um daqueles que partem uma vez na vida, uma única vez.
Depois, sentar-me num dos lugares perdidos no fundo da última carruagem, aquela que é levada por todas as outras, aquela que nos dá a sensação do passar lento do tempo. Encostar-me à janela e pousar a cabeça sobre o vidro. E então, simplesmente não pensar em nada. Deixar que o tempo passe por mim.
Apetece-me sentir isso mesmo. Fechar os olhos e sentir que o mundo se mexe mas eu permaneço igual. Sentir que, por uma vez, não vale a pena. Sentir que nada vai mudar quando eu abrir os olhos, dias depois.
É que era isso que queria... Ir, sem que ninguém notasse ou soubesse.
Talvez bastasse deitar-me e tentar sonhar. Talvez dormir fosse o bastante. Mas não é isso que quero. Não quero adormecer enquanto a vida pulsa ritmadamente. Queria somente fechar os olhos e não a ver passar. Por uns instantes. Uns momentos de descanso, enquanto sei que todos os outros correm para não perder um minuto.
Mas é que, às vezes, seria tão bom poder descansar na margem da estrada, sem que ninguém nos obrigasse a andar. Poder parar para ver tudo com atenção, com os olhos de quem não tem pressa ou compromissos. Viver como um sem-abrigo. Um nómada. Sim, acho que é isso. Às vezes, gostava de ser como eles, como esses que descobrem o mundo, de mochila às costas. Parecem tão felizes...
Não é que não queira a tua companhia. Mas, com o tempo, vamos aprendendo a respeitar a solidão e a cumplicidade que ela nos empresta. Não fomos feitos para estar sós. Mas é impossivel apreciar a proximidade de outro alguém, sem que tenhamos exprimentado a sua ausência.
E eu sinto falta. Sinto falta de ouvir os meus passos. Sozinha. E rodeada do mundo.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

You're not alone




Hoje não vamos falar. Não precisas de ter medo. Sossega o teu coração que bate descompassadamente desde que te aproximaste.
Hoje vamos só ficar assim. Juntos. Vamos falar com a voz do pensamento. Encostar as nossas almas e sussurrar baixinho, muito baixo, aquilo que com palavras pesadas iria arrancar-nos lágrimas das quais precisamos.
Prometo não pedir mais que isto. Só quero ouvir esses suspiros. Só quero que os partilhes comigo, para que não te sintas vazio quando expelires todo o ar que te sufoca.
Aproxima-te. Só um pouco. Só até que a tua pele toque a minha e eu consiga sentir o teu arrepio. Só para saber quando as ondas de pesadelos te invadem a memória.
Não digas nada. Não transformes este silêncio em mais uma noite de pesadelos. Aperta a minha mão com força. Deixa-me levá-los, afastar os fantasmas que te preenchem os sonhos e te mantêm preso nesse casulo de dor.
Abre-me o teu coração. Não que seja médica e te cure, de vez, essa dor que comportas e não sabes explicar. Mas deixa-me ver-te, deixa que te acompanhe por esse deserto onde te perdeste. Não prometo encontrar o caminho, mas caminharei a teu lado. Para que, quando sentires demasiado medo, percebas que não estás só. E para que quando sentires vontade de desistir a minha mão agarre a tua e te dê força para continuar.

Tell me how you really feel
Tell me what is on the inside of you
All the somethings you conceal
Only keep away the ones who love you
I know there's nowhere you can hide it
I know the feeling of alone
Trust me and don't keep that on the inside
Soon you'll be locked out on your own
I Know - Jude

sábado, 17 de abril de 2010

Bom dia...



Ela ali estava. Sentada sobre as ervas frescas. Abraçada sobre si mesma. Invisível ao mundo, inerte para com ele. Tal como em todas as manhãs encontrava-se encostada ao grande carvalho que, nesta altura do ano, parecia começar a ganhar folhagem nova.
Para ele, parecia uma miragem, uma visão da sua mente há tanto tempo sozinha. Observava os olhos tristes dela, a sua tez pálida. Conhecia-a sem que nunca ousasse ter-se-lhe revelado. Bastava aquilo. Aqueles segundos de companhia. Bastava tão-somente sentir que lhe era útil e lhe afastava a tristeza.
Naquela manhã, tal como em todas as passadas e aquelas que estariam para vir, ele veio ao seu encontro. Caminhou longos minutos por trilhos sinuosos, enquanto o Sol parecia ainda começar a espreguiçar-se, tímido em clarear a manhã. Caminhara unicamente por saber que ela ali estaria. Para poderem partilhar, em silêncio, aquele ritual que secretamente os unia.
E agora que ali estava faria o mesmo que em todas as manhãs se habituara a reproduzir. Olhava-a, afastado o suficiente para ela não se aperceber da sua presença, mas perto o que bastava para se sentirem. Ela era demasiado ingénua para pertencer àquele mundo cruel; parecia demasiado frágil para o enfrentar.
Então, como em todas as manhãs, ele agachou-se perto da margem do rio que os separava e, sem fazer barulho, lançou uma pequena pedra para a margem onde ela se encontrava. Depois, sorriu, feliz por, mais uma vez, ter feito parte do dia dela, mesmo que em segredo.
Ao sentir algo agitar as ervas que a circundavam, ela ergueu-se a esforço e pegou na pedra. Amarrado à sua volta, um pequeno papel amachucado desdobrou-se com o toque leve dos seus dedos. Mal aquelas letras se reflectiram nos seus olhos, ela descontraiu o rosto triste e pareceu sorrir.
A missão dele estava cumprida. E, enquanto todos os outros pediam o mundo, ele só precisava daquele momento para se sentir bem. Tal como ela que ali ia todas as manhãs numa suplica por aquelas duas palavras ternas. E, apesar de não saber a quem responder, reproduzia-as no seu pensamento àquele alguém que a escutava – Bom dia...
Não precisavam de mais nada. Cumprimentavam-se sem a que a voz se perpetuasse no espaço. Conheciam-se e, no entanto, eram meramente dois estranhos que se viam reflectidos no espelho da água quando o reflexo do outro se aproximava da margem oposta.

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Titanic was called the ship of dreams. And it was, it really was"



Fecha os olhos. Deixa que a música te preencha os sentidos. Sonha. O que é que vês?
É dia 10 de Abril de 1912. São quase 12 horas. o cais de Shouphampton, sul de Inglaterra, está repleto de pessoas, milhares de mãos que erguidas no ar acenam aos amigos e familiares que partem. Encostado à doca, envolto pelo fumo dos carros do início do século e pelo barulho da vida que se move em seu redor está o navio da companhia White Star Line. Basta desviar o olhar para a proa para ler o seu nome. Mas nenhum daqueles que ali se encontram sente essa necessidade. Neste início de tarde solarengo que marcaria a vida de mais de 2500 pessoas todos sabem que o navio que está prestes a fazer-se ao mar é o RMS Titanic.
Pobres esperançosos de uma vida melhor na prometida América; milionários impacientes por porem um pé no interior do maior objecto já construído pela mão do Homem; simples passageiros que foram obrigados a embarcar neste paquete devido à greve do carvão que paralisou grande parte dos transatlânticos. Podem não ter nada em comum. Mas a viagem que hoje iniciam irá criar um laço entre as suas vidas que nunca se consumirá.
Mais de 1500 destes rostos esperançosos nunca regressarão.

Assinalam-se este ano, dia 14 de Abril, 98 anos que esta história foi escrita. Foram apenas quatro dias os necessários para que se tornasse intemporal. Depois de três anos a ser construído, o Titanic viveu quatro dias para mostrar ao mundo que a natureza é mais forte que a vontade e o desejo pelo magnifico.
A viagem de sonho que há 98 anos atrás terminava em tragédia foi a maior lição da história sobre a vulnerabilidade do ser humano. E o que mais me faz pensar é saber que o Titanic continua vivo, “intacto” a mais de quatro mil metros de profundidade, nas águas escuras e geladas do Atlântico Norte, num lugar inóspito, onde toda a grandeza e riqueza dos grandes salões nunca será apreciada, onde os veludos dos sofás não podem ser tocados, e as louças de cristal não servirão ninguém.
Mas ele está lá. Neste preciso momento, enquanto escrevo, ou mais tarde quando reler estas palavras. O Titanic permanece o navio impenetrável para os menos afortunados. Mas há muito mais para além disso. Aquilo que este navio é realmente, isso, será sempre concedido a todos nós. O Titanic é, foi e sempre será o navio dos sonhos, a obra-prima que um dia um homem sonhou – Thomas Andrews – e que escolheu o fundo do mar como único lugar onde todos o podem ter.
Não espero com estas palavras contar a sua história. Até porque isso nunca seria possível em tão resumidas palavras. O que tento é manter viva a lembrança e a verdadeira história que envolve este navio. Para que, no dia em que o Oceano decidir apagar os vestígios da sua presença, o Titanic permaneça vivo num qualquer outro recanto da nossa memória.
Tudo para que, quando as provas físicas da sua existência tiverem desaparecido, o Titanic não se torne uma lenda e continue a alimentar sonhos pela mente dos viajantes do pensamento…como eu.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

I always try to not remember rather than forget




Sempre ouvi dizer que o vento é capaz de transportar sementes de países distantes, por quilometros. Que as deixa cair sobre a terra num qualquer outro lugar do planeta e aí faz renascer uma vida.
Não sei se é verdade. Mas descobri que essa mesma brisa, esse elemento que não se pode ver mas que somos capazes de sentir como poucos outros, transporta algo bem mais pesado, embora igualmente intocável. O vento embala memórias que desejámos esquecer naquele momento de angústia.
Sim, sabes do que falo. Também tu te sentaste em frente ao mar e suplicaste que a brisa gelada que te arrancava gotas salgadas do olhar levasse com ela aquela dor que não conseguias guardar aí dentro.
Eu sei. Também o fiz, em segredo. Baixo o suficiente para que o meu coração não ouvisse e as retivesse por mais tempo.
Supliquei-lhe e ele assim fez. Acostou-se ao meu corpo e, enquanto uma onda rebentava contra as rochas, tomou os meus pensamentos e deixou o meu espírito em sossego.
Jurei ter esquecido, naquela tarde. Por instantes tive a certeza de que as memórias que causavam feridas tinham desaparecido de vez. Fui até capaz de sorrir, imagina… Como que, se por meramente não me lembrar, tivesse esquecido.
Hoje voltei a esse lugar. Agachei-me perto das rochas e senti a mente vazia, como desde esse dia em que entregara a alma ao vento do fim do dia. Arrastada por uma onda violenta, senti uma nova brisa chegar-se a mim. E, enquanto de olhos fechados a deixei serpentear pela minha pele, senti que o meu pensamento se voltava a preencher.
É que às vezes para esquecer o passado é apenas preciso saber não lembrá-lo. Porque mesmo que o entreguemos ao vento, ele permanece vivo, a esvoaçar pelos nossos cabelos nas tardes de tempestade.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A melodia do adeus


Errar também é humano. E mais que perdoar outra pessoa, é preciso que saibamos perdoar-nos a nós próprios. E é esta a busca de Ronnie.
Filha de pais separados, Ronnie culpou durante três longos anos o seu pai por tudo aquilo que acontecera. Afastou todas as suas tentativas de reaproximação; rejeitou todas as cartas que ele persistiu em escrever-lhe, como prova do seu amor.
Virou costas a tudo aquilo que os unia, até mesmo a algo que sempre haviam idealizado para o seu futuro: a música.
Quando no Verão, que mudaria a sua vida, a mãe a obriga a passar uns tempos na vila costeira onde o pai reconstruiu a sua vida, Ronnie sente-se perdida. Inicialmente demonstra raiva por todas as palavras e gestos de quem se cruza no seu olhar. Will, rapaz da sua idade, jogador de volei, vai ser um deles. Mas, pouco tempo bastará até que ele comece a mudar tudo nela. Ele será o único capaz de conviver com a sua revolta e de perceber o que motiva o seu comportamento rebelde.
De amigos passarão a dois adolescentes que descobrem o primeiro amor. Mas quando o Verão termina, uma tempestade abate-se na vida de Ronnie. Algo que a transformará completamente e que irá apagar todas as cicatrizes da relação com o seu pai. Iniciará aqui uma busca ao fundo do seu ser. Uma procura incessante por aquilo que pode simbolizar, da forma mais genuína, um “adeus” que nunca pode ser dito.
Uma história sobre os laços que unem pais e filhos, sobre perdão, compreensão e, acima de tudo, sobre a forma como o amor verdadeiro pode curar a dor da perda.