sábado, 17 de abril de 2010

Bom dia...



Ela ali estava. Sentada sobre as ervas frescas. Abraçada sobre si mesma. Invisível ao mundo, inerte para com ele. Tal como em todas as manhãs encontrava-se encostada ao grande carvalho que, nesta altura do ano, parecia começar a ganhar folhagem nova.
Para ele, parecia uma miragem, uma visão da sua mente há tanto tempo sozinha. Observava os olhos tristes dela, a sua tez pálida. Conhecia-a sem que nunca ousasse ter-se-lhe revelado. Bastava aquilo. Aqueles segundos de companhia. Bastava tão-somente sentir que lhe era útil e lhe afastava a tristeza.
Naquela manhã, tal como em todas as passadas e aquelas que estariam para vir, ele veio ao seu encontro. Caminhou longos minutos por trilhos sinuosos, enquanto o Sol parecia ainda começar a espreguiçar-se, tímido em clarear a manhã. Caminhara unicamente por saber que ela ali estaria. Para poderem partilhar, em silêncio, aquele ritual que secretamente os unia.
E agora que ali estava faria o mesmo que em todas as manhãs se habituara a reproduzir. Olhava-a, afastado o suficiente para ela não se aperceber da sua presença, mas perto o que bastava para se sentirem. Ela era demasiado ingénua para pertencer àquele mundo cruel; parecia demasiado frágil para o enfrentar.
Então, como em todas as manhãs, ele agachou-se perto da margem do rio que os separava e, sem fazer barulho, lançou uma pequena pedra para a margem onde ela se encontrava. Depois, sorriu, feliz por, mais uma vez, ter feito parte do dia dela, mesmo que em segredo.
Ao sentir algo agitar as ervas que a circundavam, ela ergueu-se a esforço e pegou na pedra. Amarrado à sua volta, um pequeno papel amachucado desdobrou-se com o toque leve dos seus dedos. Mal aquelas letras se reflectiram nos seus olhos, ela descontraiu o rosto triste e pareceu sorrir.
A missão dele estava cumprida. E, enquanto todos os outros pediam o mundo, ele só precisava daquele momento para se sentir bem. Tal como ela que ali ia todas as manhãs numa suplica por aquelas duas palavras ternas. E, apesar de não saber a quem responder, reproduzia-as no seu pensamento àquele alguém que a escutava – Bom dia...
Não precisavam de mais nada. Cumprimentavam-se sem a que a voz se perpetuasse no espaço. Conheciam-se e, no entanto, eram meramente dois estranhos que se viam reflectidos no espelho da água quando o reflexo do outro se aproximava da margem oposta.

2 comentários:

Ricardo Pinto disse...

Engraçado! Eu tenho a sensação de conhecer este texto...não é uma parte de nenhum dos teus livros pois não?

Adiante! Às vezes um bom-dia basta para nos sentirmos melhor porque é sinal que se lembraram de nós. Um bom-dia de alguém especial torna-se ainda mais especial :) e ultimamente tenho recebido muitos não é mesmo?! :)

Ana Rita Correia disse...

Engraçado que tenhas a sensação de o conhecer... Mas não, não é de nenhum dos meus livros. Foi escrito de manhãzinha, depois de mandar aquela pedrinha a uma pessoa especial :)