quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Noite sem luz

Noite. Cabelos soltos. Vento.
Inspiro.
Depois, novamente a noite. Frio. A minha pele arrepiada reflecte a pouca luz que a cidade tem para dar.
Expiro. Uma coluna de vapor dissipa-se à minha frente.
E a noite permanece a mesma. Silêncio. Sobretudo silêncio. Mas também vivem algumas vozes. Palavras distorcidas pelas buzinas dos carros ou pelo som dos saltos das mulheres contra a calçada. Não interessa ao certo. O que importa, nesta noite sem luz, é que não as compreendo.
Arrepio. O vento balança o meu corpo inerte e mergulha no meu pescoço. Sinto as costas geladas. As minhas mãos tremem com o choque. Mas não me mexo. Não as encosto, nem fricciono. Não aperto sequer o casaco. Nesta noite sem luz quero senti-lo. Foi para isso que vim. Quero que o ar frio me percorra o corpo e leve toda a quentura que me resta. Quero senti-lo. O frio.
Inspiro e retenho o ar dentro de mim por um pouco mais de tempo. Nesses segundos, apercebo-me de uma menina pequena que brinca com as nuvens de ar quente que expele quando expira. Só consegue fazê-lo graças ao calor que o seu corpo guarda e protege.
O meu parece ter-se esquecido de como produzi-lo. Nesta noite sem luz, as minhas mãos perderam a cor rosada. Estão brancas e geladas.
Expiro. E quando o faço, confiante de que não existe mais nenhuma chama dentro de mim, solta-se uma névoa branca, em frente dos meus olhos. A menina que me observa, sorri-me ingénua, apontando para a nuvem de ar quente que é levada pelo vento.
Sorrio-lhe de volta. Aperto o casaco contra a pele e deixo que as minhas mãos escorreguem para os seus bolsos. Depois, olho o chão e volto a andar. A noite continua sem luz, mas o frio passa por mim sem mergulhar nas minhas veias.

1 comentário:

Samuel F. Pimenta disse...

Dizes que conheço as palavras. E eu digo o mesmo de ti. Os teus textos são verdadeiras pérolas, das que se encontram nos lugares mais recônditos e secretos do mar.
Obrigado pelas tuas palavras no "Linhas". E continua a escrever assim, de forma autêntica.

Tudo de bom,

Samuel Pimenta.