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domingo, 2 de maio de 2010

A sombra



Sufocam-me as tardes sem vento. Apertam-me a garganta estas manhãs sem silêncio e as noites em que as estrelas estão distantes de mais para que os meus olhos as possam ver.
Asfixia-me este ar irrespirável, esta rotina sem horas pelas quais o meu coração possa bater mais forte. Ferem-me a íris as luzes indiscretas que sobressaem por entre as frechas da janela.
Um dia vi-te caminhar assim. Dizias estar vivo, mas para o meu instinto aventureiro parecias um vulto de alguém, uma sombra que se limita a copiar os movimentos de um corpo que respira.
Dizias que não, mas era isso que eras. Mais um clone por entre os tantos que vagueiam pelas ruas. Hoje senti-me assim. Mais uma.
Será que tem de ser assim? Será que temos de seguir os passos dos outros para que o ar nos percorra as veias?
Eu acreditava que não. Acreditava que utilizaria estas mãos para construir sonhos e as palavras para inventar histórias. Daquelas que nunca ninguém contou. Aquelas que ninguém ouviu. Eu acreditava que o oxigénio seria eterno e sempre nos renovaria os pensamentos.
Mas hoje, senti-me sufocar. Dirás que não respirei o suficiente. Dirás que basta que continue a respirar, como sempre. Mas é que hoje, quando o fiz, o ar apertou-me a garganta e acumulou-se no meu peito.
Lembras-te daquele jardim onde te deitaste a tentar adivinhar os desenhos das nuvens que corriam no céu? Lembras-te daquilo que sentiste?
Eu recordo-me que parecias leve. Quase diria que conseguias flutuar. Parecias solto, dono de ti. Livre. Naquela noite, deitaste sobre as dunas na praia e viste as estrelas. Vimo-las juntos. Sabias os seus nomes, as constelações, as galáxias. Naquela noite conseguias vê-las a todas.
E eu não acredito que o céu da noite de hoje tenha mudado. Mas eu não consigo encontrar uma única estrela. E sei porquê. Porque de tarde, limitei-me a olhar as nuvens pela janela, em vez de as ver passar, deitada naquele relvado.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Shiu...




Senti o vento fazer-me festas no pescoço. Todos já o sentimos. Alguma vez na vida, nem que por um momento. Todos já fechámos os olhos e desejámos que aquele vento que nos assobia ao ouvido tivesse força para nos levar com ele. A força que não temos dentro de nós.
Encostei-me ao de leve sobre o seu ombro. Falei-lhe, com a voz do pensamento, sobre as tempestades de medos que me impediam de abrir os olhos, e o ver. E ele passou por mim lentamente. Primeiro tocou-me as costas, percorrendo o meu corpo num arrepio. Soprando ao sabor dos segundos, beijou-me o pescoço com os lábios suaves. Depois, soltou o meu cabelo no ar, para que se misturasse com ele e saboreasse a liberdade,
Envolveu-me no seu colo, abraçou-me e depois partiu. Levava com ele o perfume da terra e o paladar dos sonhos.
Senti-o como se pela primeira vez. E, quando se desfez no ar, soltou-se dos meus olhos uma lágrima.
Para todos os outros era o reflexo do vento frio contra a minha íris. Mas o que ela chorava era a despedida da sua última oportunidade de descobrir, também, aquilo a que sabe ser livre.

domingo, 7 de março de 2010

Efemeridade




Efémero
Há algum tempo que pensava nesta palavra. Sabia aquilo que significava, sabia o motivo pelo qual a descobrira. Ensinaste-me a olhar o mundo assim, mostraste-me que a eternidade é longa de mais para ser planeada, abstracta de mais para ser real.
Aprendi, com o tempo, que aquele eternamente que as minhas palavras escreviam, folhas atrás, não é um tesouro, mas uma caixa antiga, coberta de pó, que os meus braços não devem segurar por mais tempo. A eternidade pesa de mais para a levar comigo nesta viagem. É grande de mais. Esconde-me o caminho. Obriga-me a parar para a pousar e recuperar o fôlego.
Sim, deixei-a lá atrás. Mesmo antes daquela curva onde me falaste da beleza daquilo que é efémero, onde descobri que esta nova caixinha é bem mais leve e fácil de guardar no bolso.
Abri hoje um pequeno dicionário e procurei pelo seu significado. Queria saber, ao certo, aquilo que protegia agora a minha visão do futuro, mas percebi que o que conta não é aquilo que os outros escreveram sobre ela. O que interessa, isso sim, é o que eu posso delinear nesta folha a seu respeito. E tinhas razão. Por mais doce que seja a eternidade, sabe melhor caminhar e perscrutar o passar do tempo.
É mais simples agora, quando aquela flor que colhi murcha. É mais simples quando a noite chega e o sol desaparece. Os meus olhos já não se avermelham, estão preparados para esse ciclo.
E, eu sei que, apesar desta efemeridade, há um ciclo que se repete. A flor que encontrarei amanhã não será a mesma que me havias oferecido, mas será igualmente perfumada e crescerá da terra. E, mesmo quando o teu vulto tiver ficado numa qualquer outra curva do caminho, longe de mais para ser avistado do lugar onde estou, eu sei que estará perto o que baste para me ajudar a colher as novas flores que surgirem pela estrada.
Passei a acreditar na eternidade daquilo que é efémero. Se não, repara: o nosso abraço prolongou-se por breves segundos, mas permanece intemporal na minha lembrança…