quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A consciência do olhar

Era tarde. Fim do dia., talvez. O sol punha-se, ao fundo, no horizonte banhado pelo Tejo. As horas, o dia são dados sem importância, quer na altura, quer de momento.
Vagueava pela rua. Os passos cruzavam a calçada suja. Envolta em pensamentos que julgava serem os mais delicados e recheados de um valor que tocaria muitas das pessoas que me rodeavam, quase tropecei nos pés de velho homem sentado sobre o chão da cidade.
Olhei-o.
Olhei-o de uma forma como nunca antes fitara um desconhecido. Depois afastei-me, dando dois ou três passos atrás.
Tarde de mais. O velho homem de barba grisalha e roupas rasgadas havia notado a minha presença e era impossível virar-lhe as costas.
Ele olhou-me. Não posso jurar, mas creio que sim, aquela foi a primeira vez que olhei profundamente nos olhos de um mendigo de rua. Ele parecia indiferente à minha presença, apesar do pedido de ajuda que deixou desenhar-se no azul empoeirado do seu olhar.
Não me estendeu a mão. Mas, num gesto que me daria muito mais riqueza que aquela que lhe poderia doar, sorriu-me. As suas carregadas rugas de expressão em torno da boca seca toldaram-lhe o rosto num frágil – mas aparentemente sincero – sorriso meigo.
Depois baixou o rosto e, deixando cair a boina em farrapos que escondia o emaranhado do seu cabelo quase branco, voltou à inércia. À rotina do passar das horas.
Naquele fim de tarde senti-me mergulhar com o último rasto de sol nas águas doces do rio. Agarrei nas poucas moedas que trazia no bolso, troco de uma compra da qual já não me recordava, e deixei-as cair sobre a lata quase vazia que o velho homem tinha nas mãos. O tilintar do dinheiro despertou-o do seu ilusório dormir e voltou a olhar-me.
“Obrigado”, era o que o cristalino dos seus olhos me sussurrava agora. Mas não era o pouco dinheiro que ele agradecia. Era o sorriso leve que lhe revelei.

1 comentário:

Ricardo disse...

Às vezes um simples olhar é o suficiente...