sábado, 27 de fevereiro de 2010
The Album Leaf
Santiago Alquimista. Lisboa, 21.30h. Poucos minutos tardaram até que o ambiente escurecesse e o pequeno palco tomasse vida com a melodia do violino de Matthew Resovich, um dos cinco membros da banda norte-americana, The Album Leaf. Depois das primeiras músicas, o grupo completou-se e preencheu o espaço com músicas dos antigos álbuns e novidades do mais recente 'A Chorus of Storytellers', noite dentro.
Foi a estreia oficial dos The Albun Leaf em Portugal, depois de terem aberto o concerto dos islandeses Sigur Rós, em Lisboa, há seis anos.
Num ambiente intimista, transformaram os cerca de noventa minutos de concerto com o seu estilo leve e alternativo, mergulhando o público num estado de abstracção. A variedade de instrumentos conferiu ao espectáculo uma dinâmica melodiosa muito própria e uma oportunidade rara para desfrutar da presença de uma banda que percebe como dar alma à música.
Jimmy LaValle, como vocalista, deu voz a sucessos do grupo como Twenty two fourteen e Always for you, pedidos pelo público, ao longo da noite. Divertidos, interagiram com o público e responderam aos sucessivos pedidos dos admiradores. Mais calado apresentou-se o baterista, Tim Reece, que, mesmo assim, respondeu na linguagem que conhece melhor. Uma performance cheia de ritmo e que sugou a atenção até à última música.
Apesar de pouco mediatizados, os The Album Leaf foram recebidos por um público conhecedor do seu percurso. Num concerto marcado pelo jogo de luzes no palco e pela mistura de instrumentos que habitualmente não pautam as bandas mais comerciais (xilofone, violino) os norte-americanos cumpriram o esperado, exibindo um projecto confiante e diferente, mas acima de tudo repleto de originalidade. Prova de que continua a valer a pena dar novos passos na música.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain
"Estranho o destino dessa jovem mulher, privada dela mesma, porém tão sensivel ao charme das coisas simples da vida"
Porque há alturas na vida em que temos de fazer escolhas, alturas em que alguém nos sussurra ao ouvido a verdade que, desde sempre, mantivemos afastada do coração. Porque há alturas em que, por mais satisfação que nos tragam os sonhos, seria tão melhor sentir a realidade encostada à pele, e a presença física de um outro alguém, ao invés da sua imagem desfocada na nossa mente.
Porque a felicidade dos outros já não é o que basta, porque o nosso coração ameaça transforma-se num esqueleto frágil que se despedaçará no próximo instante de solidão.
É tudo isto e mais um mundo repleto de inseguranças provocadas por uma infância diferente, uma infância em busca de um companheiro que a compreendesse, um amigo que entrasse na sua vida isolada, que fazem de Amélie Poulain uma personagem tão intensa e capaz de reflectir os nossos mais preciosos segredos, ansiedades, dúvidas e, também, as pequenas alegrias; aquelas pequenas sensações que perduram no tempo e nos tornam naquilo que somos realmente – Amélie gosta de fazer ricochetes na água com pequenas pedras que encontra pela rua…
No decorrer deste filme de Jean-Pierre Jeunet, somos confrontados com um conjunto de personagens que nos tocam pela sua autenticidade e capacidade de nos revelar sempre um pouco de nós mesmos. Em Amélie tudo é ingenuidade. A sua vida muda no dia em que ajuda um velho homem a reencontrar-se com a sua infância, perdida numa pequena caixinha de lata. Contagiada pela súbita felicidade no rosto daquele homem, Amélie encontra uma forma de preencher o vazio que a solidão da sua vida comporta. Dedica-se a partir de então a trazer um pouco mais de magia à vida daqueles que conhece, deixando o seu destino para segundo plano.
Mas Amélie não está sozinha. Do outro lado da janela, observa-a um velho homem que procura captar a essência perdida de uma das personagens dos seus quadros. É ele quem confrontará Amélie com a realidade e a fará compreender que o mundo não olha por si, mesmo que ela se dedique a ele.
Mas até que ponto esse mundo soube esperar por ela, até que ponto ainda existe espaço para o seu perfil nessa tela que há tanto tempo espera por si?...
sábado, 12 de dezembro de 2009
Balançar
Pedes-me um sonho
para juntar os pedaços
mas nem tudo o que parte
se volta a colar
e agarras a minha mao
com a tua mao e prendes-me
e dizes-me para te salvar
de quê?
de viver o perigo
de quê?
de rasgar o peito
com o quê?
de morrer
mas de que paixão?
de que?
se o que mata mais é não ver
o que a noite esconde
e nao ter nem sentir
o vento ardente
a soprar o coração.
domingo, 6 de dezembro de 2009
A solidão dos números primos

Alice e Mattia sobrevivem assim, fechados num momento insubstituível das suas infâncias, presos a um trauma que a idade não consegue superar.
O segredo que as suas palavras não sabem revelar acompanhá-los-á em todo o seu crescimento, refugiando-os em duas personalidades tristes que, apesar de distintas, quase se tocam no que diz respeito à forma como se desenham – a solidão.
Alice sofre com o medo da rejeição pelos colegas, a dificuldade de aceitação num mundo que se quer perfeito e ao qual sente não pertencer. Fruto disso será a bulimia que a acompanhará toda a vida, a ponto de assombrar o seu casamento.
Mattia vive acordado num pesadelo real, culpado do desaparecimento da sua irmã. Nas suas mãos, preenchidas pelos sucessivos cortes que lhe aliviam a dor psicológica, recaem os olhos ameaçadores dos quantos o olham com reprovação.
Vivem anónimos, fechado em si mesmos, como dois números primos perdidos numa sequência que os não deixa sobressair. Olham-se mutuamente, partilham os seus medos em silêncio – o suficiente para se compreenderem; o insuficiente para se tocarem em conforto.
Irão partilhar sonhos, idealizar um futuro sem remorsos, mas vão descobrir que há uma coisa que os sonhos não podem fazer – apagar o passado.
sábado, 17 de outubro de 2009
Keane, para lá da música
Podia ser este o conselho de um velho amigo, as palavras de conforto que esperaríamos ouvir no fim do dia, precisamente daquele dia em que desejávamos desaparecer da mira daqueles que, juraríamos, nos olhavam em cada esquina e tentavam amedrontar-nos.
“Cause everyboy’s changing and I dont’t feel the same”
É o pensamento que saltava na nossa mente e que mais ninguém parecia partilhar. E é nesse momento que abrimos os olhos e percebemos que o conselho estava perdido na melodia de uma música, uma música que, temos a certeza, foi escrita para partilhar aquele momento da nossa vida connosco.
Há músicas que têm esse poder e, Tom Chaplin, vocalista da banda britânica Keane, dá voz a muitas delas. Com um reportório e estilo muito próprio e inconfundível, este grupo presenteia-nos com canções que nos chegam como páginas de um diário musical. Ouvir Keane leva-nos numa viagem pela nossa mente, trazendo à memória as nossas dúvidas, desejos e os medos que, através das letras profundas e intimistas, nos surgem mais claros.
Mais do que fazer-nos reflectir, as suas canções parecem surgir como um sopro de ar, quase como que uma oportunidade para pairar sobre a nossa consciência.
Acompanhado de forma subtil por Tim Rice-Oxley, compositor e pianista, e Richard Hughes na bateria, Tom Chaplin dá a voz – por sinal, uma das mais talentosas do panorama musical – a uma das bandas mais aplaudidas em todo o mundo.
Mais do que estar perante música de qualidade, ouvir Keane leva-nos a estar connosco mesmos, com o íntimo que poucas bandas conseguem tocar de forma semelhante.
Na verdade, caracterizam-se por uma estranha ambiguidade de sentidos: um género leve e ligeiro, pela melodia maioritariamente calma e instrumentos de teclas, mas igualmente profunda e forte, no que respeita ao conteúdo emocional que contemplam; da mesma forma, adquirem um tom reflectivo e, por alguns intitulado, de depressivo devido às letras extremamente realistas e assentes nas ansiedades da consciência humana, e, ao mesmo tempo, de esperança, uma mensagem de esperança sempre implícita quer nas palavras quer nas melodias entusiastas.
“Oh, crystal ball, crystal ball, Save us all, tell me life is beautiful”
Certa é a impossibilidade de ficar indiferente. Existirá sempre uma música de Keane, nem que apenas uma, que nos faça sentir sermos a origem o destino das suas palavras.
E se é verdade que a música tem o poder de nos transformar, a destes britânicos, que iniciaram este projecto há pouco mais de oito anos, reflectem-no na sua totalidade. “What I am isn’t what I was”, cantam em Try again e é a autêntica realidade daqueles que se deixam absorver pelas músicas da banda.
Mas mais que falar sobre eles, é preciso ouvi-los e simplesmente não pensar em nada, deixar que seja a música a pensar por nós, porque no fundo
- “What do I know? I know”
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
Ainda, Alice

terça-feira, 4 de agosto de 2009
Origens
Procuro esta palavra no dicionário. Não anseio pelo que vou encontrar, nem muito menos espero descobrir algo que já não antes soubesse. No fundo, esta é somente mais uma palavra das muitas que ouvimos toda uma vida, sem que deixemos uns segundos para nela reflectir.
Finalmente encontro-a e, tal como adivinhava, nada no seu significado me faz compreendê-la melhor. Causas, Procedências, Fontes e umas quantas outras palavras que, tal como a primeira, nos mergulham num mar de significados sem, no entanto, qualquer sentido aparente.
Afinal por que razão existem estas palavras? Todas elas, os milhares de junções de letras perdidas nessas folhas, algumas com idades ancestrais, outras recentemente acrescentadas ao nosso vocabulário. Algumas são certamente quase inúteis ou simplesmente ausentes de conteúdo; mas há outras. Existem palavras que, por mais tentativas em descobrir-lhes o sentido, nunca se nos mostrarão totalmente se não quando desvendadas de outra forma, com a alma; há palavras que nenhum dicionário consegue aclarar, que nenhuma caligrafia poderá reproduzir perfeitamente; palavras que, porém, são tudo o que temos, o que fomos e seremos. E foi isso que acabei por descobrir ao fechar o dicionário ingenuamente aberto; descobri que há coisas que os livros não explicam, que só o mundo e a vida podem decifrar.
Origens.
Pensando bem, que estranha palavra, essa, que nos acompanha toda uma vida; que nos rodeia o horizonte e preenche o coração. Uma palavra que foi o nosso início e se atreve a desenhar-nos o futuro; uma mera palavra que, apesar de fazer de nós quem somos, é muitas vezes posta de parte como um mal a esquecer, um passado a deixar lá atrás. Felizmente há alturas em que ela se cansa de estar encerrada nesse baú e salta cá para fora, diante ao olhar. Mesmo quando menos o quisermos, alguma vez ela virá à nossa procura. Tal como o dia que nasce escuro e se põe em crepúsculo novamente, algum dia, também nós somos obrigados a voltar a esse princípio, ao nosso berço.
Origens.
Somos nós próprios; nós e o único lugar capaz de nos fazer sorrir verdadeiramente; o único capaz de brotar as lágrimas mais genuínas. Aquele sítio, onde o nada que somos se une com o tudo que o Mundo é.
Também eu conheço um lugar assim.
E esse não mora longe, nem muito menos se encontra encerrado num livro qualquer. Por mais distante que estivesse de mim seria sempre possível chegar-lhe com as pontas dos dedos, com a ponta do coração. Lá, sei que nunca estarei perdida. Naquele recanto do meu mundo sempre encontrarei a chave dos sorrisos.
sábado, 11 de julho de 2009
Silêncio
Gosto desta palavra e gosto simplesmente pelo que transmite, como que se por simplesmente a deixar deslizar pela minha língua, fosse já possível alcançar o estado a que remete. O silêncio não é uma ordem, não é uma pretensão, acaba por ser apenas um vazio, uma forma de estarmos connosco mesmos. E, às vezes, queremos tanto pegar-lhe, alcançá-lo que basta pensarmos no silêncio para que surja na nossa mente um xiu interior, e tudo se torne profundamente calmo.
Algo me leva, porém, a acreditar que esse dito silêncio não existe, pelo menos não na forma que lhe damos. O que me faz lembrar o silêncio? O escuro, um lugar sem focos de luz intimidantes, onde não há sombras nem movimentos que sem querer acabam por roubar o sossego. Sim, mas e esse lugar existe? Pensando com afinco descubro que não. Nem a noite mais escura sem estrelas ou sem aquele luar brilhante que faz parecer que o sol apenas perdeu intensidade consegue ser totalmente negra. O escuro é assim uma palavra ilusória.
O que mais me faz pensar no silêncio? Ausência de ruído, uma absoluta inércia de som ou de vozes, por mais tranquilizantes que o sejam. Pensemos nisso: ausência de som. Seria isso possível? Olharmos em redor, buscarmos o que nos rodeia sem que qualquer ruído fosse notado? Acho que não. Há, de facto, momentos em que pensamos ter chegado a esse estado, em que tentamos com tal força da mente que tudo se cale para ouvirmos apenas o vazio, que julgamos estar em silêncio, mas é igualmente ilusório. Se simultaneamente não houvesse vento, nem a proximidade das ondas do mar a bater nas rochas e todos dormissem, inclusive os animais, mesmo o mais pequeno insecto, outros barulhos surgiriam. Iríamos aperceber-nos da existência de coisas que até então desconhecíamos - ou ignorávamos - como o bater compassado do nosso coração, que então pareceria querer fazer ouvir-se mais que nunca.
Silêncio. Começo a pensar que tenho vivido enganada. Começo a aperceber-me de que o silêncio é uma forma egoísta de fazer com que, num momento escolhido a meu querer, o resto do mundo deixe de viver, tudo para que eu possa descansar tranquilamente. Quem sabe se, neste momento, um outro alguém, novo ou velho, feliz ou triste, busca um recanto pacato, um silêncio absoluto, e eu, eu que me julgo capaz de o definir, quebro essa possibilidade provocando um estranho ruído com a ponta da caneta contra esta folha branca. Para mim está o silêncio perfeito, mas para esse outro, qualquer perturbação pode quebrar a sua calma. É o que estou a fazer.
Apercebo-me de que o silêncio não pode ser apenas físico; é antes algo interior. Sim, o silêncio deve, antes de mais, ser conseguido na nossa mente. Fechamos os olhos, tentamos apagar os vestígios dos ruídos do nosso pensamento e deixamos que o escuro produzido pelas pálpebras fechadas e a ausência de som provocada pela nossa mente vazia saltem cá para fora. Parecerá então que todo o mundo se calou para nos deixar dormir, e que todas as luzes limaram as arestas para não nos ferir. Silêncio.
Sim, acho que é isso que sentimos: silêncio. E desta vez não fomos egoístas. Desta vez, não mandámos calar as pessoas em redor; nem desejámos a noite mais negra quando duas crianças brincavam ao sol; desta vez, conseguimos alcançar o que queríamos sozinhos. Acho que é afinal isso o silêncio. É deixarmos que seja a paz a vir ter connosco, da forma como dela precisamos no momento, sem que ela falte aos outros, da forma como dela também precisam nesse instante.
E enquanto leio estas palavras? Também quebro o silêncio? Se para mim ler é tranquilizante penso que não, mas e se numa ocasião as palavras me gritam ou choram, como posso ignorar o som?
Afinal o silêncio é difícil de definir. Acho, enfim, que basta pensá-lo e esperar que esse esforço acalme a mente sem que a deixe adormecer, sim, porque corremos o risco de ter um pesadelo, onde os ruídos estilhacem, como que se de um cristal se tratasse, o silêncio que havíamos conseguido.
quinta-feira, 9 de julho de 2009
Apenas uma ideia de cansaço...
Estranhamente nenhuma destas sensações me aflorou a pele, nem mesmo um sensível entusiasmo, ao percorrer os locais onde antigamente outros iniciaram a jornada que se me afigura. Apenas uma ideia de cansaço, de fim de história e talvez até de saudade foi transparecida pelas vidraças das janelas fechadas ou destruídas dos edifícios antigas sedes de jornais. Nesse passado nunca esperariam, de certo, este futuro que parece ter-se esquecido como simplesmente levantar a caneta para rabiscar uma palavra.
As ruas sujas do Bairro Alto mostram agora outras ideias; revelam uma nova geração de pensadores e “artistas” se assim se pode chamar a esses que deixam o seu rasto de tinta pelas paredes, numa tentativa de se auto afirmarem.
Ironicamente acabo por conseguir fazer uma analogia com esse passado tão apagado. Também antes o Bairro Alto era sinónimo de jovens mãos irrequietas que se mantinham a pé toda a madrugada, marcando palavras e ideias novas lidas na manhã seguinte por uma multidão de olhos atentos aos ardinas madrugadores. É precisamente aí que reside a diferença: porque se dantes eram as folhas a preto e branco dos matutinos e vespertinos, agora tornou-se tudo bem mais fácil e até mais barato. As noites continuam vivas pelas ruelas do bairro que não dorme e a luz do dia traz ao de cima uma manchete de cor e palavras vivas.
Qual é então a diferença?
As folhas cinzentas distribuídas com o sabor a recompensa já não saem quentes pelas ruas do agora aparente bairro fantasma. Saltam aos olhos de quem passa outro tipo de palavras, outro género de caligrafias, com um sabor a abandono, a vandalismo. Graffiti, sim, acho que é esta a nova palavra de ordem, aquela que substituiu a de informação, e tentou apagar a marca do trabalho, pintando morais de rebeldia. De grandes nomes como “A Capital”, “O Mundo”, “O Século” restam as memórias, as letras dispersas e quase inaudíveis por entre as conversas dos mais velhos, aqueles que sentados sobre os bancos dos cafés do bairro parecem nem reconhecer as fachadas desses jornais onde tantas notícias nasceram.
Continuo a caminhar. Um sorriso rompe-me na face. Finalmente descubro que o coração do trabalhador Bairro Alto não parou por completo. Escondido numa das ruas escuras, o jornal “A Bola” parece fiel ao passado. É o único que sobrevive rodeado agora pelas paredes negras e rabiscadas da presente liberdade.
Perco-me em pensamentos, em desilusão. É esta a imagem do futuro; é este o fim de linha de anos de trabalho; a última edição de um mundo de jornais que ficou perdida no tempo, à espera de ser notícia.
Crónica sobre o Bairro Alto elaborada para a cadeira de LGJ