quinta-feira, 9 de julho de 2009

Apenas uma ideia de cansaço...

Folhas rasgadas e dispersas, sombras onde antes havia pessoas, um silêncio constrangedor onde reinava uma agitada sinfonia de ideias transpostas em papel. Podia ser este o retrato dos vestígios de um velho jornal, de um lugar onde já antes milhares de novidades afluíram, onde se criaram histórias, se enalteceram lágrimas e reproduziram sorrisos. Podia ao menos sobrar a imagem de lembrança, o reconhecimento, aquela estranha sensação de olhar um sítio onde, apesar de o nosso passado não ter pisado, se consegue vislumbrar tudo como no outrora findo.
Estranhamente nenhuma destas sensações me aflorou a pele, nem mesmo um sensível entusiasmo, ao percorrer os locais onde antigamente outros iniciaram a jornada que se me afigura. Apenas uma ideia de cansaço, de fim de história e talvez até de saudade foi transparecida pelas vidraças das janelas fechadas ou destruídas dos edifícios antigas sedes de jornais. Nesse passado nunca esperariam, de certo, este futuro que parece ter-se esquecido como simplesmente levantar a caneta para rabiscar uma palavra.
As ruas sujas do Bairro Alto mostram agora outras ideias; revelam uma nova geração de pensadores e “artistas” se assim se pode chamar a esses que deixam o seu rasto de tinta pelas paredes, numa tentativa de se auto afirmarem.
Ironicamente acabo por conseguir fazer uma analogia com esse passado tão apagado. Também antes o Bairro Alto era sinónimo de jovens mãos irrequietas que se mantinham a pé toda a madrugada, marcando palavras e ideias novas lidas na manhã seguinte por uma multidão de olhos atentos aos ardinas madrugadores. É precisamente aí que reside a diferença: porque se dantes eram as folhas a preto e branco dos matutinos e vespertinos, agora tornou-se tudo bem mais fácil e até mais barato. As noites continuam vivas pelas ruelas do bairro que não dorme e a luz do dia traz ao de cima uma manchete de cor e palavras vivas.
Qual é então a diferença?
As folhas cinzentas distribuídas com o sabor a recompensa já não saem quentes pelas ruas do agora aparente bairro fantasma. Saltam aos olhos de quem passa outro tipo de palavras, outro género de caligrafias, com um sabor a abandono, a vandalismo. Graffiti, sim, acho que é esta a nova palavra de ordem, aquela que substituiu a de informação, e tentou apagar a marca do trabalho, pintando morais de rebeldia. De grandes nomes como “A Capital”, “O Mundo”, “O Século” restam as memórias, as letras dispersas e quase inaudíveis por entre as conversas dos mais velhos, aqueles que sentados sobre os bancos dos cafés do bairro parecem nem reconhecer as fachadas desses jornais onde tantas notícias nasceram.
Continuo a caminhar. Um sorriso rompe-me na face. Finalmente descubro que o coração do trabalhador Bairro Alto não parou por completo. Escondido numa das ruas escuras, o jornal “A Bola” parece fiel ao passado. É o único que sobrevive rodeado agora pelas paredes negras e rabiscadas da presente liberdade.
Perco-me em pensamentos, em desilusão. É esta a imagem do futuro; é este o fim de linha de anos de trabalho; a última edição de um mundo de jornais que ficou perdida no tempo, à espera de ser notícia.

Crónica sobre o Bairro Alto elaborada para a cadeira de LGJ

1 comentário:

Ricado disse...

Ah, andas a aproveitar os trabalhos da escola. Fazes bem!
Realmente as ruas do Bairro Balto estão todas pintadas; é uma pena porque as zonas antigas de Lisboa deveriam ser conservadas; seria bom para o turismo e no finl de contas é o nosso património. Enfim, bom post!
Ricardo