...dissolvem-se lentamente onde os esquecemos."
José Luis Peixoto
José Luis Peixoto










Diz-me onde te dói. Diz-me qual é o músculo que te massacra, ou a ferida que faz a tua pele arder. Pousa a mão sobre a tua dor. Para que possa também eu chegar lá. Para que possa procurar um remédio que te alivie. Não fiques em silêncio. Eu sei que, algures, uma dor te trespassa o corpo. Podemos partilhá-la. Sim, se me contares onde ela está, talvez possamos parti-la ao meio. Rasgá-la sem piedade para que, a ti, não doa tanto. Aponta-me o lugar onde esse algo, que não sabes explicar, se partiu. Eu sei que encontraremos uma forma de voltar a colar os bocadinhos que se espalharam. Por favor, não contenhas o grito que te causa. Não finjas que não te dói. Eu sei que sim. Mesmo que não possas mostrar-me o sítio exacto onde te magoaste, eu sei que ela existe. Há feridas que a nossa íris não consegue reflectir. Mas tens de me dizer onde se escondeu essa dor que reprimes fechando longamente as pálpebras. Diz-me onde te dói, para que possa trazer o curativo e, assim, levá-la para longe – a essa dor que pousou sobre o teu peito.
Voltei a ver-te. Tinhas prometido que esse teu lado não regressaria, que não deixarias que os pesadelos te ensombrassem de novo. Mas eu voltei a ver-te, a esse teu eu nu e desprotegido.
Hoje, quando peguei na caneta, não soube escrever. Senti que as palavras se tinham esgotado, ou, talvez, fosse somente o meu pulso que não tinha força para segurar com firmeza aquele objecto que sempre transformara os meus pensamentos em palavras.
Noite. Cabelos soltos. Vento.